Fernão Lopes é o cronista
com mais notoriedade da historiografia e literatura portuguesas. A palavra
crónica, de origem latina, designa «obras de genealogia». Ao longo dos tempos,
a palavra sofreu variações de campo semântico. Hoje, encontramos a crónica jornalística,
que é um exemplo de discurso híbrido de primeira e terceira pessoa, conjugando
a realidade objetiva com a subjetividade de quem recria essa realidade.
Assim, a crónica de D. João I não foge a essas caraterísticas,
enriquecendo-se com a marca pessoal do seu cronista, Fernão Lopes.
Desta forma, podemos sistematizar o estilo de Fernão Lopes.
- Comunicação com os leitores, transformados em narratários,
guiando-nos para dentro dos acontecimentos que se desenrolam na narrativa. Sobre
Nuno Alvares: «onde fique com boas noites; e nós tornemos veer a atribulada
Lisboa em que ponto está».
- Realismo descritivo, referindo pormenores, para nos fazer
presenciar os acontecimentos. Sobre os padecimentos do povo, aquando do cerco a
Lisboa: «se fartávom de ervas e bebiam tanta água, que achavam homens e
cachopos jazer inchados nas praças e outros lugares».
- Visualismo, recurso a verbos sensitivos, sobretudo
ligados à visão, dando-nos um quadro visual dos acontecimentos. Sobre o
movimento da multidão, para socorrer o Mestre: «que era cousa estranha de se
veer», tornando-se ele mesmo como «testemunha dos acontecimentos»
conferindo-lhes verosimilhança.
- Emoção e sentimentalismo são caraterísticas que o
narrador, Fernão Lopes, exprime com expressões líricas, interjeições e
exclamações: «Oh! que fremosa cousa era de ver».
- Dramatização de fatos narrados, assemelhando-se à técnica
do cinema, reportando-nos o que se ia passando, nomeadamente movimentos das
pessoas e construção da personagem coletiva, o povo: «As gentes que isto ouviam
saíam aa rua veer que cousa era […] alvoraçavam-se nas vontades […] todos
feitos de uu coraçom com talente de o vingar».
- Alternância
entre narração dos acontecimentos, a descrição com
pormenores realistas com o diálogo para imprimir vivacidade e
dinamismo no relato dos episódios mais relevantes da Crise de 1383-1385.
Fernão Lopes cria ritmo e tensão através da forma expressiva de narrar os
acontecimentos e da introdução de discurso direto no relato.
- Vivacidade, ritmo e emoção das personagens são
também conseguidos, recorrendo a um discurso com marcas de oralidade e
linguagem com simplicidade; registo corrente, familiar e
linguagem do quotidiano. Uso de verbos de movimento e os verbos introdutores do
discurso: «bradar», as interjeições e apóstrofes: «Ó Senhor!». O dinamismo da
ação resulta do uso de tempos, formas e aspetos verbais como o presente do
indicativo, o imperfeito do indicativo, o gerúndio, tempo durativo. O uso de
recursos expressivos, com especial destaque para o polissíndeto.
Algumas linhas de leitura do texto: «Do alvoroço que foi na cidade…».
- A promoção e exaltação do Mestre de Avis como herdeiro da coroa
portuguesa, sustentada em falsidades e ruído na comunicação (conferir os
discursos diretos) manipuladoras da multidão, do povo de Lisboa.
- A construção do povo como personagem coletiva e central da
aclamação do Mestre.
- Visualização e sensações ao longo do texto:
Acompanha o raciocínio. «Alvoroço» na cidade e participação das «gentes»
=> Convocação / Apelo => Movimentação => Concentração => Aclamação
=> Dispersão.
Concentração espacial. Ruas => Paço => Portas => Janela
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